Minha atenção foi chamada por piar aflitivo.
No terraço, em revoada, volteavam os pardais.
Falavam todos à uma e a causa era patente.
Por gato preto ou pardo, um deles fora destroçado, restando a cabeça com dois olhos sem expressão.
Um, que pelo susto passara e tremia de emoção, pipilava a sua história:
--Estávamos na brincadeira, na mira do namoro, e o malvado do gatão, duma só sapatada, apanhou-o mesmo em vôo.
E todos pranteavam em chilreado alarido, até que um deles questionou:
--- Será que Deus existe ?
A insólita pergunta fez tombar a assembleia em reflexão profunda.
Caiu ali o remanso, por quanto tempo não sei e de nada serviria que as bitolas são diferentes.
A pergunta embaraçosa sai resposta duvidosa e foi aí que dei graças por no paleio não ter entrado.
Decorrido o embaraço, lá rompeu outro piupiu:
-- Ora, se existisse onde estava ele quando o gato aqui passou ?
Retrucou o mais velho em tom pausado, era doutra geração e muito havia voado:
-- Não existe podem crer ! E até ouvi dizer que é invenção dos humanos para tão sós não se sentirem.
Enfim, não quiz ouvir mais destas coisas de pardais, pois naquela madrugada, ainda o orvalho chorava, outra conversa escutara dum grupinho de lagartas. E o mote semelhante, com queixas da passarada-
Tudo à volta do umbigo e da área circundante, sempre à espera do milagre, esquecem a morte e o perigo, seu companheiro e mandante.
Mas ainda faço mais, deixo aqui o retrato destes três personagens, tão diferentes, tão iguais.
E aprendi o conceito:
Inventado por nós para não nos sentirmos sós !
Gostei...
Uma luz assim acesa, com quem pudesse falar, afastaria a tristeza duma noite sem luar...